Advogada Ana Luiza Santos, especialista em direito trabalhista
Cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência fazem parte da população brasileira, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Deste total, 760 mil são crianças de 2 a 9 anos, que precisam do cuidado e do auxílio financeiro dos seus pais.
A Lei 8.112/1990 garante horário especial ao servidor que tenha dependentes com deficiência, sem compensação posterior, no âmbito público. Segundo a advogada Ana Luiza Santos, especialista em direito trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) pode reconhecer o mesmo direito no setor privado devido ao princípio da igualdade material, que busca equiparar situações desiguais. "A analogia com o setor público, juntamente com os preceitos constitucionais que asseguram dignidade, inclusão e proteção à família, formam a base para esse entendimento", explica.
A advogada ressalta que, ao reconhecer a necessidade de adaptação das condições laborais para os pais de crianças com deficiência, o TST fundamenta sua decisão na proteção dos direitos constitucionais à dignidade, à inclusão e à proteção familiar. No entanto, Ana Luiza expõe que "a ausência de previsão legislativa específica para o setor privado implica que esse entendimento ainda está sujeito a interpretações divergentes, dependendo da composição dos tribunais e de futuras alterações legislativas".
A advogada complementa que o reconhecimento do direito à redução da jornada pelo TST oferece um direcionamento interpretativo que pode orientar as empresas na adequação de suas políticas internas. Contudo, diz que "a ausência de uma norma legal expressa no setor privado gera uma segurança jurídica relativa, sujeita a variações em instâncias inferiores ou em futuras revisões jurisprudenciais".
MEDIDAS INTERNAS
Quanto às possibilidades para as empresas, mesmo sem alguma norma específica que regule a redução da jornada no setor privado, a especialista esclarece que podem ser adotadas medidas internas que atendam às demandas dos trabalhadores e empregadores e, simultaneamente, minimizem os riscos trabalhistas. As recomendações dadas pela advogada seriam negociações coletivas e normas internas, para evitar passivos trabalhistas.
Além disso, também elucida que "a implementação de um regulamento interno e/ou plano de carreira com critérios para a redução ou alteração da jornada e a compensação de horas trabalhadas reforçam o compromisso da empresa com a inclusão e a responsabilidade social". Essa tendência pode, ainda, incentivar um aumento das demandas judiciais por parte dos trabalhadores que buscam o benefício.
Caso as empresas não se antecipem com políticas internas adequadas, há a possibilidade de desafios para demonstrar a regularidade de suas práticas e, eventualmente, podem até mesmo arcar com decisões judiciais que obriguem a concessão do benefício aos pais. "A previsão expressa desse direito pelo TST, embora positiva em termos de proteção ao trabalhador, impõe aos gestores empresariais o desafio de equilibrar a manutenção da competitividade com a promoção de um ambiente de trabalho inclusivo", completa a especialista.
DESAFIOS
A especialista Ana Luiza Santos destaca que é fundamental a criação de uma legislação específica que contemple princípios constitucionais de igualdade e inclusão, mas também que a livre iniciativa privada seja preservada, bem como definir critérios objetivos para a concessão do benefício. Outro desafio apontado é que "a lei precisaria ser suficientemente flexível para adaptar-se às diversas realidades empresariais e laborais, evitando interpretações restritivas que possam limitar sua eficácia".
Do ponto de vista financeiro, a adoção da redução da jornada de trabalho poderia trazer desafios para as empresas, como custos operacionais extras. Assim, seria necessário realizar uma reestruturação interna, capacitar os funcionários e, em alguns casos, contratar mais profissionais para cobrir a redução das horas trabalhadas.
POSSIBILIDADES
A especialista esclarece que estudos internacionais apontam para modelos bem-sucedidos na implementação de políticas de flexibilidade e benefícios para cuidadores, como a ampliação de licenças e a oferta de horários adaptáveis, que poderiam servir de referência para o Brasil, adotando medidas inclusivas sem comprometer a competitividade da empresa. Também ressalta a necessidade de serem acompanhadas de incentivos fiscais e outras medidas de apoio.
O Projeto de Lei 4062/2024, que propõe a criação do Programa Nacional de Emprego e Apoio para Mães Atípicas, surge como uma alternativa para estimular a adesão das empresas a políticas de redução de jornada de trabalho. A iniciativa prevê incentivos fiscais, como redução de tributos ou deduções fiscais, como forma de compensar os custos operacionais que as empresas possam ter ao implementar o benefício. O objetivo é garantir que a medida não prejudique a competitividade das empresas, promovendo uma transição gradual e sustentável.
O projeto visa oferecer suporte a mulheres que cuidam de filhos com condições que exigem atenção especial, como deficiências físicas, síndromes raras, transtornos neurológicos, autismo e doenças crônicas. "O programa proposto preconiza uma jornada de trabalho reduzida ou flexível, sem prejuízo salarial, e abrange um conjunto de ações que vão desde a capacitação profissional até o apoio psicológico e social, com uma forte ênfase na inclusão por meio de modalidades como o trabalho remoto", explicita a advogada.
Para garantir a eficácia dos incentivos fiscais, o projeto sugere a criação de mecanismos claros de fiscalização e avaliação, assegurando que os objetivos de inclusão e apoio aos trabalhadores sejam alcançados. A medida complementa outras políticas já em vigor, como o Programa Emprega + Mulheres, instituído pela Lei nº 14.457/2022, que prioriza a flexibilização da jornada para pais e mães de crianças de até 6 anos ou com deficiência.
A legislação atual já prevê benefícios como prioridade para teletrabalho, banco de horas, horários flexíveis, antecipações de férias individuais e jornada 12x36, quando aplicável. O PL 4062/2024 amplia essas possibilidades, reforçando a importância de conciliar vida profissional e familiar, especialmente para mães que enfrentam desafios únicos no cuidado de filhos com necessidades especiais.
Fonte: Com Informações da Times Agência de Ideias