Uma "poupança coletiva" para apoiar a cadeia produtiva do pequi no norte de Minas Gerais. Essa é uma iniciativa da rede Núcleo do Pequi que mantém um Fundo Rotativo Solidário (FRS) para impulsionar a produção do fruto cerratense e garantir apoio para a agricultura familiar na região. "A ideia é que os beneficiários acessem o crédito quando precisam. Afinal, o crédito é para isso. É uma decisão consciente, pega quando precisa", explica Welerson Amaro, o Lecinho, consultor na área de finanças do Fundo.
Fundos Rotativos Solidários funcionam como poupanças coletivas: buscam suprir necessidades de determinado grupo ou comunidade, e são organizados de acordo com regras estabelecidas por pessoas envolvidas na iniciativa. Com 40 mil reais em microcrédito, fruto de um apoio do Fundo PPP-ECOS, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a ideia do Núcleo do Pequi é gerar capital de giro de R?5 mil a organizações comunitárias de agricultores familiares e extrativistas presentes em 16 municípios do norte de Minas Gerais. No momento o fundo é capaz de apoiar até 8 empreendimentos simultaneamente. No futuro pretendem ampliar e aumentar a capacidade.
A devolução deve ser iniciada 6 meses após o empréstimo e ser paga mês a mês em seis parcelas. Há um juros de 2,5%, o que resulta num valor total de R? 5.250 a serem devolvidos na conclusão do projeto.
Lecinho destaca que o projeto tem como objetivo, além do fortalecimento financeiro das organizações comunitárias, a "educação ao crédito". Os tomadores do recurso devem ter consciência de todo o processo de investimento até a devolução. "Considero uma experiência exitosa", conclui.
Livre de atravessadores
A ideia de criar um Fundo Rotativo Solidário surge como uma alternativa à ação de atravessadores – que coletam a produção dos pequenos agricultores e levam até o comerciante varejista nas cidades, remunerando-os em um prazo menor que as associações e cooperativas.
A margem de lucro da produção é reduzida, a transparência nas transações pode ficar comprometida, gerando ainda dependência e vulnerabilidade dos produtores em relação aos intermediários, além de comprometer a inovação e o trabalho coletivo.
"O atravessador acaba atrapalhando o trabalho das cooperativas e associações e atravessam produtos sem qualidade", argumenta Jacy Borges de Souza, produtor rural e presidente da Associação dos Usuários da Sub Bacia do Rio dos Cochos (ASSUSBAC), que é beneficiária do Fundo. "Esse é um desafio grande para alcançarmos a autonomia", acrescenta.
Na fábrica da Assusbac, fundada em 2003 e que também já recebeu apoio do PPP-ECOS no passado, na Comunidade de Sambaíba, zona rural de Januária (MG), segundo Jacy, trabalham 20 pessoas de 5 comunidades da região. De acordo com ele, o capital de giro está sendo bom para pagar coletores "que não acreditavam no nosso trabalho e que agora estão tendo mais confiança".
Outras estratégias da Assusbac são diversificar a produção e agregar valor aos produtos. O mel, por exemplo, já sai da fábrica envasado e pronto para o consumo. Uma estratégia para competir com atravessadores, "que pegam o mel em grande quantidade para revender".
Segundo ele, o carro chefe da Assusbac sempre foi o pequi, mas agora há outras possibilidades de frutos para beneficiamento, como umbu, maracujá do Cerrado, cajuí, panã ("araticum"), jatobá, cagaita, acerola, manga e banana.
"Com apoio do PPP-ECOS conseguimos uma despolpadeira e podemos trabalhar diversos frutos", explica.
A relação com a juventude também é uma preocupação para Jacy. "A gente luta muito para manter os jovens por aqui". Segundo ele, é preciso tornar o ambiente agradável para os jovens, "se não eles não voltam".
"Nosso partido é a macaúba"
No município de Montes Claros (MG), a Cooperativa dos Trabalhadores Rurais de Riacho D"anta e Adjacências (Cooper Riachão), trabalha com a macaúba desde a casca até a castanha. "A ração da polpa de macaúba para cavalo e gado de corte é o que mais sai por aqui", explica Valnei. Os compradores são, sobretudo, dos municípios de Mirabela e São Francisco.
Quando o coco da macaúba está maturando, ele começa a cair do cacho. Ele é coletado e vai para o beneficiamento. Com o endocarpo de macaúba, produz-se insumos utilizados na manutenção de tubulações na indústria petrolífera e também para jateamento de carros, um tipo de limpeza de superfície.
A "pasta crioula", que é um subproduto da produção do sabão, serve para arear alumínio – bom para fazer a limpeza de panelas.
Também é possível fazer óleo automotivo com a extração da polpa. "Um produto a mais que a gente vai ofertar", conta Valnei, explicando que já vendeu biodiesel para a Petrobrás com este beneficiamento.
A Cooper Riachão, apoiada pelo PPP-ECOS, é uma cooperativa familiar que, antes da pandemia, reunia o trabalho de 430 extrativistas no fornecimento da macaúba para a fábrica proveniente de quatro municípios da região do Vale do Riacho D"anta: Montes Claros, Mirabela, Coração de Jesus e Brasília de Minas. A ideia agora é retomar essa estrutura de cooperados.
Com o capital de giro do Fundo Solidário, a Cooper Riachão comprou matéria-prima dos extrativistas. Ao utilizar todas as partes do fruto e acreditar no trabalho desempenhado na fábrica, Valnei conclui: "nosso partido é a macaúba".
Sabor do Agreste
O grupo de mulheres Sabores do Agreste é a terceira organização comunitária apoiada pelo Fundo Rotativo. Fundado em 2013, são dez mulheres trabalhando na produção de doces e geleias com frutos nativos na região de Januária, MG, no distrito de Levinópolis.
"Iniciamos este trabalho em um curso que ensinava a produzir geleias, doces e sucos, e hoje completamos 10 anos de trabalho, em que aprimoramos nosso conhecimento e nossas receitas", explica Rosimeire Goncalves da Mota, que compõe o grupo desde a fundação.
As responsáveis pelo grupo se dividem entre produção e coleta. Umbu, tamarindo, manga, acerola, maracujá do mato e goiaba são alguns dos frutos trabalhados. Elas cuidam de suas roças em casa, dos pais, filhos e bichos. O trabalho no Sabores do Agreste fica sempre na parte da tarde.
Elas destacam que utilizam pouco açúcar na produção dos doces e que há uma faixa de despesa fixa em torno de R$ 700, considerando o gasto com energia, embalagem e matérias-primas. Coletores da região também levam frutas para o grupo. Elas selecionam o que interessa, pesam e pagam pelo produto. O valor, em média, é de R?2 o quilo da fruta.
Núcleo do Pequi
Sabores do Agreste, Assusbac e Cooper Riachão fazem parte do Núcleo do Pequi, uma rede de associações, cooperativas e instituições que tem o objetivo de fortalecer o trabalho de agricultores e extrativistas de 16 municípios do Norte de Minas Gerais.
Foi formado em 2008 a partir de uma oficina de Planejamento Participativo da Cadeia Produtiva do Pequi no Norte de Minas Gerais, em Montes Claros-MG, promovida pelo Ministério do Meio Ambiente no contexto do Plano Nacional da Sociobiodiversidade.
"O grupo passou a se reunir periodicamente para formalizar uma organização que representasse a cadeia produtiva do pequi. Demorou três anos para termos um CNPJ e nesse meio tempo recebemos apoio do ISPN de forma indireta", explica Sarah Alves de Melo Teixeira, uma das fundadoras da organização.
Graças ao trabalho da organização, o Núcleo conseguiu reativar o Conselho Diretor Pró-Pequi, vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA), de Minas Gerais, que é responsável por administrar o Programa Pró-Pequi.
Este por sua vez é fruto de uma lei estadual de 2001 que tem como objetivo incentivar o beneficiamento, a industrialização e comercialização do pequi e outros frutos do Cerrado. A lei torna o pequi imune ao corte. Significa que quem cortar um pé de pequi deve pagar cem Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais (Ufemgs), equivalente a 200 reais, a uma conta administrada pela SEDA, ou replantar um pequizeiro em até cinco anos.
"Hoje, temos a necessidade de ampliar nossa equipe e colocar mais pessoas trabalhando, porque boa vontade tem, boas ideias também, mas falta tempo e braço", afirma Sarah.
Fonte: Com Informações de Camila Araujo / Assessoria de Comunicação ISPN